quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Bom Ano!

A todos vós, amigos da blogosfera, com quem partilhei de mim e que comigo partilharam também, desejo um Feliz 2012!
Com saudades, da KarenB.



P.S - Obrigada a todos aqueles que me desejaram as boas festas.
Um beijinho muito especial para alguém que completa amanhã 22 lindas primaveras. :)

domingo, 9 de outubro de 2011

Reflexão





"O amor é, por definição, um prémio sem mérito. 
Se uma mulher me diz: eu amo-te porque tu és inteligente, 
porque és uma pessoa decente, porque me dás presentes, porque não andas atrás de outras mulheres, porque sabes cozinhar, então eu fico desapontado. 
É muito melhor ouvir: eu sou louca por ti embora nem sejas inteligente, nem uma pessoa decente, embora sejas um mentiroso, um egoísta e um canalha."
 Milan Kundera, in "A Lentidão".

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Como é que se esquece alguém que se ama?


"Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está?
As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar Sim, mas como se faz? Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguem antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar.
É preciso aceitar esta mágoa esta moinha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si , isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos, aceitando que não têm solução.
Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injecção. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas vezes só existe a agulha.
Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado.
O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar."

Miguel Esteves Cardoso, in 'Último Volume'

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Solidão

Há dias, cruzei-me com uma obra de Edward Hopper. Na legenda, li o seguinte: "As telas de Edward Hopper, autênticas introspecções da alma humana, converteram-no no pintor da desolação e da incomunicação das sociedades urbanas". A pintura tem o nome de "Autómata" e é datada de 1927.

Nela, vemos uma rapariga a tomar chá ou um café, mas vemos muito mais do que isso. Vemos solidão, vemos isolamento, vemos vazio. É curioso este estar só, não estando. Sim, porque as autómatas nunca estão sós. E quantas autómatas já não vimos nós ou não somos nós tantas e tantas vezes? Mas então, porque nos sentimos tão sozinhos, tão incompletos, tão lacunares?

A frieza de uma vida citadina, da rápida sucessão de pessoas e locais, controlada por um modelo implacável de organização, de exigência pessoal e onde as certezas e convicções são imperativos, transforma-nos em escravos da eficiência, onde o sentir, o tocar e qualquer forma de intimidade são relegadas para segundo plano. Ao fim do dia, é um vazio assustador que nos persegue...

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Snoopy Parade


"A “Snoopy Parade Lisboa” é uma instalação de arte urbana que vai decorrer na Avenida Duque d’Ávila, em Lisboa, de 15 de julho a 15 de agosto. A iniciativa conta com a participação de vários artistas portugueses. O objetivo com a “invasão de Snoopies” é angariar fundos que ajudarão o projeto da UNICEF Escolas para África.

A “Snoopy Parade Lisboa” convida o público a contemplar estátuas do consagrado personagem de banda desenhada, Snoopy. Estas serão recriadas por vários artistas plásticos, pintores e outros autores de inspirado talento artístico.
A exposição é composta por 20 estátuas com 2,60 m de altura e vai estar patente entre os dias 15 de julho e 15 de agosto, ao longo da Avenida Duque d’Ávila, em Lisboa, de acordo comunicado da organização.Os autores das 20 estátuas concorrem em equipas ou individualmente: Nuno Markl e Ana Galvão, Herman José, Graça e Gracinha Viterbo, entre outros." 


No fim-de-semana passado passei por lá e não resisti a tirar algumas fotos, que passo a partilhar convosco. 












sexta-feira, 29 de julho de 2011

O Glorioso



Legenda: Chegada dos jogadores do Benfica para o jogo de apresentação da época 2011/2012.


E assim vos desejo um excelente fim-de-semana!

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Afinidade(s) ou... uma curiosidade jurídica


Há dias, uma troca de comentários com a Nina deu-me ideia para escrever o texto que se segue.
Como qualquer bom jurista, gosto de discutir qualquer assunto e gosto especialmente de uma boa discussão. Tudo ou quase tudo o que esteja relacionado com as artes do Direito desperta o meu interesse, a minha curiosidade e um "gostinho" por saber sempre mais. Por isso, várias vezes, a propósito de uma notícia no telejornal, de algo que leio, de uma conversa informal com um amigo ou até mesmo de um qualquer episódio da vida que observo, dou por mim a pensar no assunto em termos técnicos, a pesquisar mais qualquer coisa, a relembrar o que estudei na faculdade. É um "bichinho" que adquiri durante o curso e que me ensinou a analisar a realidade daquilo que nos rodeia com outros olhos.
Pois bem, a minha conversa com a Nina despertou o tal "bichinho" e o assunto está relacionado com as relações de afinidade.


Determina o artigo 1584º do Código Civil que a afinidade "é o vínculo que liga cada um dos cônjuges aos parentes do outro". Assim, quando falamos da sogra e do sogro, da nora e do genro, da enteada e da madrasta, entre outras, é de relações de afinidade que estamos a falar.
Até há bem pouco tempo atrás, determinava também o artigo 1585º do mesmo Código que "a afinidade determina-se pelos mesmos graus e linhas que definem o parentesco e não cessa com a dissolução do casamento". Ora, convém dizer desde já, para a coisa ficar bem explicadinha (e sem querer entrar nas causas de invalidação do casamento, que igualmente levam à sua extinção),  que as formas de dissolução do casamento são apenas duas: a morte de um dos cônjuges e o divórcio entre eles.
Ora, com isto, estão a ver, sogra uma vez, sogra toda a vida... 
Felizmente, ou não, a tão famosa lei 61/2008, de 31 de Outubro, que veio alterar o regime jurídico do divórcio e que tanto deu que falar (com direito a veto presidencial pelo meio...), veio alterar esta situação, acrescentando duas palavrinhas  - "por morte" - ao supra citado artigo 1585º do Código Civil, que ficou assim: "a afinidade determina-se pelos mesmos graus e linhas que definem o parentesco e não cessa com a dissolução do casamento por morte". Ora, não é necessário um grande esforço interpretativo para daqui se retirar a seguinte conclusão: actualmente, as relações de afinidade cessam quando a causa de dissolução do casamento é o divórcio, mantendo-se no caso do casamento se dissolver por morte de um dos cônjuges. E isto, quer estejamos a falar de um casamento celebrado hoje ou de um casamento celebrado anteriormente à referida alteração legislativa (dispensam-se explicações técnicas sobre esta parte, para não "maçar" quem lê).

Até pode fazer sentido que as relações de afinidade se mantenham no caso de dissolução do casamento por morte de um dos cônjuges. Seja um certo "pudor social" a falar ou não, mas a verdade é que nesses casos, normalmente, o falecimento de um dos cônjuges não faz cessar as relações do sobrevivo com os parentes do finado. Mas manter aquele vínculo nos casos de divórcio... faria sentido? E eliminá-lo?

E perguntam vocês, e bem, mas que importância tem tudo isto? Tem, e muita. Vou-vos dar um exemplo.
Anteriormente à referida lei, o jovem Pedro Passos-Portas decidia divorciar-se da mulher, a igualmente jovem Andreia Madalena Custódio de Oliveira Benquerença Seabra Vaz Pinto Passos-Portas porque esta, apenas preocupada com a sua ascensão profissional, não vinha cumprindo os seus deveres conjugais (essencialmente na parte da comunhão de leito). Coincidência ou não, o jovem Pedro Passos-Portas já vinha há algum tempo a fazer "olhinhos" à sua muito bem conservada sogra, a Sra. Dona Beatriz Maria Custódio de Oliveira Benquerença Seabra Vaz Pinto ("olhinhos" esses que eram retribuídos, pois claro). Ora, o jovem Pedro Passos-Portas, já divorciado, não poderia casar-se com a sua sogra, pois uma vez que a relação de afinidade se mantinha apesar do divórcio, a mesma constituía também um impedimento dirimente relativo (nos termos do artigo 1602º, alínea c) do Código Civil), obstando assim ao casamento daqueles dois seres enamorados. 

Outro exemplo, este, talvez um pouco mais rebuscado, mas igualmente possível, e que tanto poderia acontecer anteriormente à nova lei do divórcio como posteriormente a ela, na actualidade: a mulher, Gisberta Cócegas, e o marido, Arlindo Cócegas, vivem numa casa arrendada cuja proprietária e senhoria é a Dona Jovita Quitéria, uma senhora muito rica da aldeia da Gisberta Cócegas (que por sinal fica muito próxima da aldeia donde é natural o Arlindo Cócegas) e que, por ser muito meticulosa e "esquisitinha" até, só havia arrendado a sua casa à menina Gisberta Cócegas por ter sido professora dela na escola primária e saber que era boa pessoa e de boas famílias e essas coisas todas. Fez até questão que o contrato de arrendamento ficasse apenas em nome da menina! Ah, já agora, diga-se de passagem que a Dona Jovita Quitéria também só arrendou a sua casa porque vivia no andar de cima do mesmo prédio e assim podia "controlar" as coisas. Com Arlindo Cócegas e Gisberta Cócegas veio viver, há mais de um ano (que é como quem diz, veio passar férias e nunca mais de lá saiu), a "mãezinha" do Arlindo Cócegas - a Sra. Dona Ludovina Calhota que, por ser muito "linguaruda" e conhecida na terra por "bicicleta" (por levar as notícias das vidas de toda a gente de porta em porta), sempre teve com a Dona Jovita Quitéria uma relação de um certo "ódiozinho de estimação", pois a Dona Jovita Quitéria era uma senhora muito correcta e nunca se meteu em intrigas. Infelizmente, o casal Cócegas falece num fatídico acidente de automóvel quando decidiram finalmente, ao fim de tantos anos, gozar a sua lua-de-mel em Quarteira. E depois? - perguntam vocês. E depois, supondo que não existem outros parentes mais próximos, porque o casal não tinha filhos, porque a Dona Ludovina Calhota até era viúva e os pais de Gisberta  Cócegas já tinham falecido, o arrendamento pode muito bem transmitir-se para... a Sra. Dona Ludovina Calhota, pessoa "tão cara" à senhoria e proprietária da casa, a Dona Jovita Quitéria. Claro que isto não tem mal nenhum, a não ser para a Dona Jovita Quitéria, a quem lhe esperam ainda muitas chatices e muito dinheiro gasto com serviços de advogados para conseguir tirar de lá a Sra. Dona Ludovina Calhota, que até "embirrou" que agora é que não saía mesmo. Quanto muito, a Dona Jovita Quitéria só terá de "levar" com a Sra. Dona Ludovina Calhota, a "bicicleta", durante uns (bons) tempos (anos, quiçá!). E porquê, porque a Sra. Dona Ludovina Calhota é afim da menina Gisberta Cócegas e o artigo 1106º do Código Civil determina que este é um dos efeitos da afinidade.

Se esta alteração ao artigo 1585º do Código Civil, produzida pela nova lei do divórcio, faz sentido? Até faz. Mas os efeitos perversos desta questão estão longe de ser eliminados. 
Agora o marido já pode casar com a sogra, ou a mulher com o sogro, uma vez divorciados. Até nos parece bem, certo? Exista amor e ao mesmo não devem ser colocadas barreiras, porque o amor é para ser vivido, e vivido na sua plenitude. Mas agora reparem num outro exemplo: a Sra. Benvinda Pedrelica, mãe afectiva do menino Miguel Zonga, sua madrastra, portanto (e a quem criou quase desde pequenino), vinha sendo muito maltratada pelo marido (entenda-se, ele nunca lhe dava atenção). Então, decide divorciar-se, e fá-lo. Claro que para fazer face aos "maus tratos" a Sra. Benvinda Pedrelica vinha nos últimos tempos "procurando colo" nos braços do menino Miguel Zonga, que já não era nenhum menino, e a quem os colegas da faculdade diziam que tinha uma madrasta que era "uma brasa". Agora, com a nova alteração legislativa, a Sra. Benvinda Pedrelica, que sempre teve "um fraquinho" oculto por homens mais novos, vai casar com o menino Miguel Zonga... Com a nova alteração legislativa deixou de existir a relação de afinidade entre ambos, é certo, mas a Sra. Benvinda Pedrelica não deixou de ser aquela que sempre foi a sua mãe afectiva... Bizarro? Mas agora,  possível.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

In my secret life


Leonard Cohen - In my secret life


Durante algum tempo, tempo demais compreendemos hoje, tivemos a nossa "secret life", onde ambos sentíamos a falta do outro e onde mesmo depois de cada inevitável partida, permanecias em mim e eu em ti. 
Hoje, estamos onde sempre deveríamos ter estado e gritando ao vento o nosso amor, marcharemos juntos pela manhã, marcharemos juntos pela noite e atravessaremos todas as fronteiras.
Te amo.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Estado de graça relativamente ao novo governo??? Só para quem não lê o DR (entre outras coisas)

Por razões profissionais, leio o Diário da República todos os dias e... encontro disto:

Excerto do Diário da República n.º 137, Série II, de 19-07-2011:



  • Ministério da Administração Interna - Gabinete do Ministro
    Nomeação de Natércia Rodrigues Barreto para exercer funções de secretária pessoal do Ministro da Administração Interna (Uma)


  • Ministério da Administração Interna - Gabinete do Ministro
    Nomeação de Maria Dinis Lopes Ferreira dos Santos para exercer funções de secretária pessoal do Ministro da Administração Interna (E com esta já são duas.)


  • Ministério da Administração Interna - Gabinete do Ministro
    Nomeação da licenciada Rita Vieira Lisboa Abreu Lima para exercer funções de chefe do Gabinete do Ministro da Administração Interna


  • Ministério da Administração Interna - Gabinete do Ministro
    Nomeação de Nazaré Rosa Maria de Sousa Alves para exercer funções de secretária pessoal do Ministro da Administração Interna (E lá vão três...)

  • Ministério da Administração Interna - Gabinete do Ministro
    Nomeação de Maria Helena Simões Pinto Palma para exercer funções de secretária pessoal do Ministro da Administração Interna (Agora já dá para jogarem à sueca.)


  • Ministério da Administração Interna - Gabinete do Ministro
    Nomeação do licenciado Pedro António Rodrigues Esteves para exercer funções de adjunto do Ministro da Administração Interna


  • Ministério da Administração Interna - Gabinete do Ministro
    Nomeação de Maria Fernanda Domingues Pereira Gonçalves para exercer funções de apoio administrativo ao Ministro da Administração Interna (E eu que pensava que eram as secretárias que apoiavam administrativamente o Ministro... Ou será que é para compensar alguma jogadora que venha a demonstrar-se "batoteira"?)


  • Ministério da Administração Interna - Gabinete do Ministro
    Nomeação do licenciado Luís Miguel Pereira Farinha para exercer funções de adjunto do Ministro da Administração Interna


  • Ministério da Administração Interna - Gabinete do Ministro
    Nomeação da licenciada Susana Maria Farias Freitas Quaresma para exercer funções de assessora do Ministro da Administração Interna


  • Ministério da Administração Interna - Gabinete do Ministro
    Nomeação de Rui Manuel Estêvão Ventura para prestar apoio aos gabinetes dos membros do Governo integrados no Ministério da Administração Interna (Que tipo de "apoio" será??)


  • Ministério da Administração Interna - Gabinete do Secretário de Estado da Administração Interna
    Nomeia para exercer funções de chefe de gabinete do Secretário de Estado da Administração Interna o licenciado Tiago Sampaio Melo Marques Leite


  • Ministério da Administração Interna - Gabinete do Secretário de Estado da Administração Interna
    Nomeação de Ana Rita Poppe Leite Pereira de Seabra Vaz Pinto para exercer funções de secretária pessoal do Secretário de Estado da Administração Interna (Vê-se mesmo que é de famílias ditas... humildes.)


  • Despacho n.º 9151/2011. D.R. n.º 137, Série II de 2011-07-19
    Ministério da Administração Interna - Gabinete do Secretário de Estado da Administração Interna
    Nomeação de Maria Filomena Fernandes Fevereiro Assunção para exercer funções de secretária pessoal do Secretário de Estado da Administração Interna 



  • segunda-feira, 18 de julho de 2011

    O que penso e não (te) digo




    Sem (querer) pensar, pensei.  
    Pensei e penso muitas vezes em ti. Não há dia que me não venhas ao pensamento. Não há noite em que adormeça sem te recordar, sem nos recordar, os nossos momentos, as nossas conversas, o nosso sentir do antigamente. Mas não quero pensar, porque me magoa, porque a cada vez que te lembro e aos teus abraços, é mais uma brecha que se abre nesta ferida que não sara.
    Sem falar (o que queria), falei.
    Falei e disse o que pude, porque mais não me permitiste. Não me deste sequer a oportunidade de apresentar as minhas justificações, se as mesmas existissem. Falei, mas o que disse na altura não é o que diria agora. Falei, mas falei pouco. Não falei o suficiente para te admitir que errei, apenas pedi desculpa sem  entender muito bem porque o fazia. Hoje entendo, e queria dizer-te mais.
    Sem escrever (para ti), escrevi. 
    Escrevi e escrevo sempre que a vontade de te falar hoje, agora, sempre que a saudade aperta mais um pouco. Escrevo e finjo que me lês. Ensaio diálogos, possíveis respostas, que sei que não obterei tão cedo ou mesmo que não obterei. Mas não escrevo para ti, não penses. Escrevo para mim. Magoaste-me tanto que não te daria esse conforto, que guardo só para mim - o conforto de saberes o que sinto, e o que sinto por ti (se bem que ainda acredito que o saberás...).
    Sem perdoar (porque não esqueço), perdoei.
    Perdoei desde sempre, porque de outro modo não poderia ser. O que nos liga é demasiado forte, demasiado sagrado, demasiado intrínseco a cada um de nós para que assim não fosse. Se guardo ressentimento? Ainda guardo. Não consigo compreender o que te levou a agir de tal forma. Procuro inverter os papéis, recuar atrás no tempo e lembrar-me de quem és, como és e não entendo, porque nada em ti faria prever um tal comportamento.
    Magoa-me que hoje, pai, não saibas quem sou.
    __________________

    agora, e para não vos deixar a todos meio deprimidos logo à segunda-feira com o que acabei de escrever, alguém adivinha onde é que a foto foi tirada? lá, é muuuuito fácil!

    sexta-feira, 15 de julho de 2011

    Sugestões para gulosos

    Porque este blog não seria meu se não revelasse também esta minha faceta, hoje resolvi partilhar dois miminhos para o paladar. Gosto de cozinhar e gosto especialmente de me enfiar na cozinha e fazer doçarias quando a vida não me corre de feição. Não sei porquê, mas é algo que me distrai. Assim, aqui ficam, para quem quiser experimentar, duas receitas tão rápidas e fáceis de fazer quanto saborosas.

    Bolo de Banana e Canela


    Ingredientes: 
    - 3 ovos
    - 3 colheres de sopa de margarina
    - 2 chávenas de açúcar
    - 1 chávena de leite
    - 3 bananas maduras
    - 2 chávenas de farinha
    - 2 colheres de chá de canela

    Preparação:
    Numa tigela, colocar os ovos, o açúcar e as três colheres de sopa (bem cheias) de margarina previamente derretida. Mexer bem até formar um creme liso, fofo e homogéneo.  Acrescentar a farinha e o leite e mexer novamente até formar uma massa bem consistente.
    Entretanto, num outro recipiente, colocar as bananas e passá-las com a varinha mágica. Acrescentar este preparado à outra massa. 
    Por fim, polvilhar a massa com as duas colheres de chá de canela e mexer novamente para misturar.
    Vai ao forno (previamente aquecido durante 10 minutos), numa forma previamente untada de margarina e polvilhada de farinha. Deixar cozer durante aproximadamente 45 minutos ou até que ao ser espetado por um palito, este saia limpo.
    __________________

    Fiz o bolo no sábado à noite e na segunda-feira à tarde já não havia nada. O meu marido diz que ficou de comer e chorar por mais e a minha sogra, a quem convidei para vir lanchar no domingo, lá me elogiou dizendo que eu era muito prendada.
    Na foto, o bolo ficou ali com um buraquinho porque apesar de ainda estar a arrefecer, alguém estava cheio de pressa e já não consegui apanhá-lo inteiro para o fotografar. 


    Tarte de Maracujá


    Ingredientes:
    - 1 pacote de bolacha Maria
    - 150 g de manteiga
    - 1 lata de leite condensado
    - 1 gelatina de frutos tropicais
    - 1 lata de polpa de maracujá

    Preparação:
    Para a base: Num recipiente fundo, colocar as bolachas e parti-las com a mão em bocadinhos pequeninos. Em seguida, ralar as bolachas com a varinha mágica e acrescentar a manteiga, previamente derretida. Amassar muito bem as bolachas e a manteiga até formar uma massa dura. Forrar uma tarteira com essa massa e levar ao frigorífico enquanto se prepara o creme.
    Para o recheio: Preparar a gelatina de frutos tropicais conforme as instruções da embalagem, mas usando apenas metade da água (250 ml). Levar ao congelador para arrefecer mais rápido, mas não deixar solidificar!
    Num recipiente, colocar a polpa de maracujá (eu não a usei toda para não ficar com muitas sementes) e adicionar o leite condensado e mexer bem para misturar tudo. Juntar a gelatina, depois de ter arrefecido. Verter este preparado sobre a base de bolacha e levar ao frigorífico para solidificar.
    Para dar um toque especial, decorar a tarte com um pouquinho de polpa de maracujá (eu fiz uma pequena flor,como podem ver na foto, mas admito que não ficou lá grande coisa...).
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    Mais uma vez, o maridote, que é todo cheio de manias das comidas saudáveis e das dietas e porque fica com barriga quando come doces e blá, blá, blá, não se fez rogado. Gostou muito e eu também gosto porque é um doce fresquinho e nada enjoativo.

    quarta-feira, 13 de julho de 2011

    Diálogo entre pai e filha



    - Té, sabes o que me pediste certa vez, quando eras pequenina, para receberes pelo Natal?
    - O que foi?
    - Pediste-me um escravo, filha...
    - Um escravo?! E tu, o que é que me disseste?
    - Oh filha, então, conversei contigo e tentei explicar-te que a escravatura era uma coisa má.
    - E eu, o que é que eu disse?
    - Ficaste a olhar para mim, não disseste nada..., por isso acho que deves ter percebido...
    - Hum...

    Assisti a este diálogo entre duas pessoas muito próximas de mim e achei simplesmente amoroso. As coisas de que só as crianças se conseguem lembrar e a sua inocência que tantas vezes nos faz rir... A doce memória que os pais guardam dos seus filhos enquanto crianças... A ternura que se sente quando essas histórias são lembradas e contadas pela primeira vez ao filhos quando crescem, para não mais se esquecerem... 

    terça-feira, 12 de julho de 2011

    O fado não se acompanha com palmas!


    Como cá em casa não somos excepção e a crise também se vai fazendo sentir, eu e o meu marido, que tanto gostamos das nossas saídas nocturnas, de jantar fora e sair com os amigos, ultimamente, com as finanças pelas ruas da amargura, temos procurado programas alternativos para ainda assim desanuviar um pouco a mente e os olhos dos noticiários que nos enchem a casa de más notícias todos os dias.
    Assim, no passado dia 30 de Junho, lá fomos até à Alameda D. Afonso Henriques, que por sinal fica quase aqui ao lado (até na gasolina conseguimos poupar!), assistir ao concerto de encerramento do programa das Festas de Lisboa deste ano. Estava uma fantástica noite de Verão e ouvir fado debaixo de um manto de estrelas, abraçados ao nosso "mais que tudo", só pode ser um bom programa. O concerto em causa contou com a presença de três incontornáveis referências no mundo do fado - Cristina Branco, Camané e Carlos do Carmo, a que se aliou a Orquestra Metropolitana num momento único de celebração. Ora, num ano em que ainda se há-de decidir a candidatura do Fado a património cultural imaterial da Humanidade, foi uma bela e justa homenagem.
    Pessoalmente gostei do concerto. Teria gostado ainda mais, não fossem as palmas constantes da plateia a acompanhar os fados mais ritmados. Não sei porquê, mas sempre me disse a minha sensibilidade (e quando digo sempre, digo desde que passei a gostar de ouvir fado, sim, porque há coisas de que para se gostar é necessária uma certa maturidade), que o fado e as palmas são duas coisas que não combinam. Será que aquela gente nunca ouviu a expressão "silêncio, que se vai cantar o fado"? Saberão diferenciar um fado duma marcha popular? Parece que não. E tanto parece que não que as palmas duraram até à terceira parte do concerto, quando entra em palco, grandioso, Carlos do Carmo, com a sua voz assombrosa e que com essa mesma voz fez questão de, com muito jeitinho, dar uma reprimenda àquela gente toda e explicar exactamente aquilo que eu estava a pensar - que o fado não se acompanha com palmas! Tanto quanto sei, esta não é uma questão pacífica. Já ouvi outros grandes fadistas incentivarem o público a bater palmas para acompanhar (Ana Moura, por exemplo). Pessoalmente, considero que o referido ruído retira muita da beleza melódica que existe no fado. Retira paixão e retira mistério a esta canção que de forma tão grandiloquente nos fala dos sentimentos profundos da alma portuguesa.
    Do concerto apenas consegui filmar uma pequena parte porque depois fiquei sem bateria (como já é hábito...) e além disso o vídeo ficou com uma qualidade péssima quer no som quer na imagem, por isso não publico aqui. Mas para fazer a vontade ao meu marido que veio do concerto cheio de pena porque o Carlos do Carmo não cantou o fado "Estrela da Tarde", aqui fica.





    O vídeo acima vale pela música e não pelas imagens, mas não encontrei melhor e ainda não aprendi a colocar só as músicas sem os vídeos...

    sexta-feira, 8 de julho de 2011

    Ser outra que não eu


    Ao longo da vida, e por diversas vezes, já fui outra que não eu. Hoje, sinto que também para ti, sou por vezes outra que não eu. Sim, eu sei ser essa outra, mas não quero, quero ser eu. Sim, gosto da comodidade, da grandeza que essa outra me proporciona, nos proporciona. Mas essa outra, também faz daquela que sou eu, uma mulher amarga, fria e distante. E no final de contas, no momento final, talvez seja com as coisas mais comezinhas que me identifico. E no final de contas, no momento final, talvez seja aquela que sou eu, meiga, carinhosa, dedicada, a quem preferes. Na verdade, não estaria a ser sincera, antes de mais comigo própria e também contigo, se não confessasse aqui que me sinto a viver numa espécie de limbo. E se queres que te diga, sinto um certo embaraço por me sentir assim e por me ver obrigada a admiti-lo. Esta é a parte de mim que acho que ainda não cresceu. No entanto, dei talvez o passo maior do que a perna e assumi, ainda que implicitamente, não só para ti, mas sobretudo para mim de que seria capaz. Terei falhado? Sim, falho a cada dia que passa ao não tomar uma decisão, ao não "agarrar o touro pelos chifres" e seguir em frente. Esta, talvez seja outra ainda, que não eu, e que não aquela outra de que falo. Conheço bem este meu sentir. Sei aonde ele me leva, se não parar agora. Sinto-me só. Sei que estás incondicionalmente ao meu lado, mas sinto-me só, sim. E sinto-me só sempre que abraço a porta do erro, sempre que transponho as portas do incerto. Não procures alcançar-me, não é presunção, mas sei que não o conseguirás, pois sei o quão firme e intransponível é esta concha em que me fecho às vezes. Para aliviar a tua preocupação, digo-te que sei o que quero. Sei. Já experimentei essa outra vida e apesar de mais humilde do que aquela outra, éramos felizes. Mas essa outra vida parece agora tão distante que talvez não lhe consiga chegar novamente no espaço de tempo que precisamos. Provavelmente acabarei por me resignar a uma das opções que "estão mais à mão". Preciso da tua ajuda. Não quero que trilhes por mim os caminhos que eu própria terei de trilhar, mas preciso da tua ajuda. Sê duro comigo, se necessário for. Às vezes preciso que sejam duros comigo. Dá-me tempo, mas não demasiado tempo. O tempo, a espera, imobilizam-me os pensamentos e as acções e talvez me façam ficar ainda mais tempo sem sair do mesmo lugar. Quero voltar a ser aquela outra, uma outra qualquer que nem sei bem qual, mas outra que não eu agora. Uma outra mais activa, mais decidida, mais consequente, mais certa de si e do que quer. Já conheci essa outra, ou eu. Gosto dela, faz-me sentir bem, faz-me ser mais feliz e mais feliz contigo. Mas agora, já não sei se sei como lá chegar. Não penses que estou acomodada e que me resigno às minhas fraquezas, às minhas incertezas. Talvez precise de mais tempo do que o comum dos mortais, tempo que sei que não tenho, que não temos, um tempo que corre apressado, esmagando mais um pouquinho da nossa felicidade a cada passo. Talvez precise de me embriagar para ser essa outra que não eu. Se quando acordar formos plenamente felizes, é essa a solução, a solução para passar o tempo que terá de passar até que se faça luz e eu volte a ser aquela outra, eu, com a qual me sinto bem e a quem tu amas.



    Portishead - Roads

    segunda-feira, 4 de julho de 2011

    Tia Maria



    Por vezes, dou por mim a pensar na morte daqueles que me são mais queridos. Imagino as diversas circunstâncias em que poderá ocorrer, o que eu faria nesse momento, como ficaria sem eles. Nesses momentos, sinto um sofrimento e um medo aterradores. Não sei porque o faço. Talvez inconscientemente me esteja a preparar para um dia enfrentar o facto de que os vou perder. Talvez estes pensamentos me façam dar mais valor ao que sinto por cada um deles, talvez me façam querer aproveitar melhor a vida ao seu lado. Talvez...
    Também já tinha imaginado a morte da minha tia Maria. Era uma senhora já com os seus 92 anos, muito doente há alguns anos. Sabia que me ia doer. A minha tia Maria era minha tia-avó, assim como todos os meus tios e tias, pois os meus pais não têm irmãos. Por isso, sou muito chegada a eles, porque são os meus únicos tios.  
    São muitas as recordações de infância que guardo da minha tia Maria... Durante muito tempo, enquanto era pequenina, tratava-a por "mana Maria", pois era assim que ouvia dizer à minha avó e à minha outra tia. A minha tia Maria casou-se com um senhor, o meu tio Zé, que toda a vida foi pescador. Durante muitos anos viveram os dois numa casa muito modesta na ilha de Faro, situada mesmo junto à barra, até que um dia , vencidos pela idade, se mudaram para a cidade e a casa da praia passou a ser só para férias. Por ser mulher de pescador, a minha tia Maria sabia temperar o peixe de sal como mais ninguém. Não sei porquê, mas o peixe temperado pela mão dela tinha outro sabor.
    Foi graças aos meus tios que eu acabei por nascer em Faro, apesar de toda a vida ter vivido no Alentejo. Os meus pais estavam a passar férias na casa dos meus tios e eu resolvi nascer antes do tempo previsto.
    As nossas estadias na praia de Faro eram sempre momentos de muita alegria e convívio em família. Eu, os meus pais, e uns aninhos mais tarde também o meu irmão, levávamos connosco os meus avós e a nós juntavam-se os meus primos - o único filho da minha tia Maria, a mulher dele, e os dois filhos, que são da minha idade e da idade do meu irmão. A minha outra tia, emigrante em França, vinha de férias em Agosto e também se juntava a nós. Naquela altura (e penso que agora também), chegar à ilha de Faro só era possível de barco ou a pé. Como não cabíamos todos no barco de uma vez, o meu tio ia levar uns e depois vinha buscar os outros, mas também foram muitas as vezes em que aqueles ficavam para último e tinham melhor perna acabavam por ir a pé, debaixo de um sol abrasador, tal era a desmotivação da espera que o meu tio fizesse as várias viagens. É que para além das pessoas propriamente ditas, havia as bagagens - as roupas para as crianças (e para os adultos), os brinquedos para as crianças se entreterem, a comida que tinha de se levar já a contar com vários dias, os presentes todos que a minha avó e o meu avô levavam do Alentejo para os meus tios (essencialmente frutas e legumes frescos da horta, enchidos e queijos) e ainda a quantidade monstruosa de coisas que a minha tia que vivia em França precisava sempre. Escusado será dizer que eram sacos e saquinhos que nunca mais acabavam. Naqueles dias, os almoços e os jantares eram sempre muito demorados, passávamos horas sentados à mesa, a comer e a beber, mais pelo convívio do que propriamente pela fome ou pela sede. Acordávamos cedo, pois com tudo o que havia para disfrutar lá fora, não havia tempo para dormir. Só depois do almoço, pela hora de mais calor é que quem quisesse, tinha direito a sesta. Durante o dia apanhávamos banhos de sol na ria ou no mar, conforme apetecesse (era só uma questão de se ir para a parte da frente ou para a parte de trás da casa e estava tudo ali) e dávamos longos passeios ao pôr-do-sol, a pé ou de barco. Eu, o meu irmão e os meus primos brincávamos imenso e sim, também fazíamos birras, quando calhava. Lembro-me ainda que de quando em vez ia a família toda apanhar conquilhas (as conhecidas "cadelinhas") para a praia ao fim do dia, que a  minha tia cozinhava e ficavam de comer e chorar por mais. Nem imaginam a saudade que tenho destes tempos...
    Depois, durante o ano, os convívios aconteciam no Natal e no dia de Ano Novo, na Páscoa e num ou outro aniversário. Lembro-me do ar enérgico, sorridente e brincalhão com que o meu tio Zé cumprimentava toda a gente. Irradiava felicidade e contagiava-nos com a sua alegria de viver. A minha tia Maria, mais contida, sorria e abraçava-nos a todos com um longo e apertado abraço, daqueles de quem mata saudades de há muito tempo. Antes ou depois do jantar, logo que houvesse um bocadinho que lhe permitisse deixar a cozinha, onde também estava a minha avó e a minha outra tia, a minha tia Maria sentava-se à lareira, puxava-me para o seu colo e conversava comigo. Contava-me histórias da sua infância, que eu me deleitava a ouvir, perguntava-me da minha vida na escola e do que eu queria ser quando fosse grande, fazíamos planos para as próximas férias de Verão na casa da praia. E dizia-me sempre "telefona à tia, filha", e eu, com a minha falta de entendimento da altura, lá ia faltando às promessas. Gostava da serenidade que aquela tia me transmitia, com uma maneira tão diferente de ser das outras duas irmãs, também diferentes entre si, mas em comum tinham a energia e uma certa forma de estar controladora de tudo o que se passava à sua volta. Enquanto a minha avó animava os convívios com o seu ar bem disposto, a minha outra tia era quem controlava a cozinha. A minha tia Maria, sentava-se calmamente no seu canto e ia falando com este e aquele, até ao momento de puxar os sobrinhos e os netos para o colo, com quem se entretinha a noite toda.
    Faz hoje uma semana que a minha tia Maria, a "mana Maria", faleceu.
    Lembrar-me de si, tia, é lembrar-me dos seus cabelos brancos (curtos e todos brancos, foi assim que a conheci desde sempre), é lembrar-me do seu ar angelical, da sua simplicidade no vestir, apenas adornado  por um colar curto de pérolas e uns brincos a condizer. Lembrar-me de si, tia, é lembrar-me do quanto era pequenina (a mais pequenina da família, apenas com cerca de 1,50 m), talvez por isso eu a sentisse de alguma forma mais próxima de mim quando era pequena; depois cresci, e era eu que tinha de me curvar para a abraçar. Lembrar-me de si, tia, é lembrar-me da sua voz doce, sempre muito calma, pausada e serena no falar, é lembrar-me da sua infinita bondade e que tanto lhe transparecia no olhar, nos gestos e no ser.
    Faltei às minhas promessas tia, mas vou guardá-la sempre num cantinho muito especial.



    sexta-feira, 24 de junho de 2011

    A Menina do Mar, de Sophia de Melo Breyner Andresen - Parte IV



    « (...)
    - Larga-me, larga-me - dizia a Menina do Mar. Larga-me senão matam-te.
    - Não, não te largo - respondeu o rapaz.
    Mas já os polvos lhe envolviam a cintura e o peito, lhe prendiam os ombros, lhe atavam os pulsos e ele caiu nas rochas sem poder fazer nenhum gesto. Mas a sua mão ainda não tinha largado o balde. Até que um polvo se enrolou à roda do seu pescoço e o foi apertando lentamente. Então o rapaz viu o céu ficar preto, deixou de ouvir o barulho das ondas e esqueceu-se de tudo. Estava desmaiado. Acordou com a água a bater-lhe na cara. A maré tinha subido e as ondas já quase cobriam a rocha onde ele estava caído. Levantou-se e todo o seu corpo lhe doía, coberto de marcas deixadas pelas ventosas dos polvos. Foi para casa devagar.
    Passaram dias e dias. O rapaz voltou muitas vezes às rochas mas nunca mais viu a Menina nem os seus três amigos. Era como se tudo tivesse sido um sonho.


    Até que chegou o Inverno. O tempo estava frio, o mar cinzento e chovia quase todos os dias. E numa manhã de nevoeiro o rapaz sentou-se na praia a pensar na Menina do Mar.
    E enquanto assim estava viu uma gaivota que vinha do mar alto com uma coisa no bico. Era uma coisa brilhante que reflectia luz e o rapaz pensou que devia ser um peixe. Mas a gaivota chegou junto dele, deu uma volta no ar e deixou cair a coisa na areia.
    O rapaz apanhou-a e viu que era um frasco cheio duma água muito clara e luminosa.
    - Bom-dia, bom-dia - disse a gaivota.
    - Bom-dia, bom-dia - respondeu o rapaz. 
    Donde é que vens e porque é que me dás este frasco?
    - Venho da parte da Menina do Mar - disse a gaivota. Ela manda-te dizer que já sabe o que é a saudade. E pediu-me para te perguntar se queres ir ter com ela ao fundo do mar.
    - Quero, quero - disse o rapaz. Mas como é que eu hei-de ir ao fundo do mar sem me afogar?
    - O frasco que te dei tem dentro suco de anémonas e suco de plantas mágicas. Se beberes agora este filtro passarás a ser como a Menina do Mar. Poderás viver dentro da água como os peixes e fora da água como os homens.
    - Vou beber já - disse o rapaz.
    E bebeu o filtro.
    Então viu tudo à sua roda tornar-se mais vivo e mais brilhante. Sentiu-se alegre, feliz, contente como um peixe. Era como se alguma coisa nos seus movimentos tivesse ficado mais livre, mais forte, mais fresca e mais leve.
    - Ali no mar - disse a gaivota - está um golfinho à tua espera para te ensinar o caminho.
    O rapaz olhou e viu um grande golfinho preto e brilhante dando saltos atrás da arrebentação das ondas. Então disse:
    - Adeus, adeus, gaivota. Obrigado, obrigado.
    E correu para as ondas e nadou até ao golfinho.
    - Agarra-te à minha cauda - disse o golfinho.
    E foram os dois pelo mar fora.


    Nadaram muitos dias e muitas noites através de calmarias e tempestades.
    Atravessaram o mar dos Sargaços e viram os peixes voadores. E viram as grandes baleias que atiram repuxos de água para o céu e viram os grandes vapores que deixam atrás de si colunas de fumo suspensas no ar. E viram os icebergues majestosos e brancos na solidão do oceano. E nadaram ao lado dos veleiros que corriam velozes esticados no vento. E os marinheiros gritavam de espanto quando viam um rapaz agarrado à cauda de um golfinho. Ma eles mergulhavam e desciam ao fundo do mar para não serem pescados.
    Aí estavam os antigos navios naufragados com os seus cofres carregados de oiro e os seus mastros quebrados cobertos de anémonas e conchas.
    Depois de nadarem sessenta dias e sessenta noites chegaram a uma ilha rodeada de corais. O golfinho deu a volta à ilha e por fim parou em frente duma gruta e disse:
    - É aqui: entra na gruta e encontrarás a Menina do Mar.
    - Adeus, adeus, golfinho. Obrigado, obrigado.
    A gruta era toda de coral e o seu chão era de areia branca e fina. Tinha em frente um jardim de anémonas azuis.
    O rapaz entrou na gruta e espreitou. A Menina, o polvo, o caranguejo e o peixe estavam a brincar com conchinhas. estavam quietos, tristes e calados. De vez em quando a Menina suspirava.


    - Estou aqui! Cheguei! Sou eu! - gritou o rapaz.
    Todos se voltaram para ele. Houve um momento de grande confusão. Todos se abraçaram, todos riam, todos gritavam. A Menina do Mar dançava, batia palmas e ria com gargalhadas claras como a água. O polvo fazia o pino. O caranguejo dava cambalhotas e o peixe dava saltos mortais. Depois de todas estas habilidades ficaram um pouco mais calmos.
    Então a Menina do Mar sentou-se no ombro do rapaz e disse:
    - Estou tão feliz, tão feliz, tão feliz! Pensei que nunca mais te ia ver. Sem ti o mar, apesar de todas as suas anémonas, parecia triste e vazio. E eu passava os dias inteiros a suspirar. E não sabia o que havia de fazer. Até que um dia o Rei do Mar deu uma grande festa. Convidou muitas baleias, muitos tubarões e muitos peixes importantes. E mandou-me ir ao palácio para eu dançar na festa. No fim do banquete chegou a altura da minha dança e eu entrei na gruta onde o Rei do Mar estava com os seus convidados, sentado no seu trono de nácar, rodeado de cavalos- marinhos. Então os búzios começaram a cantar uma cantiga antiquíssima que foi inventada no princípio do Mundo. Mas eu estava muito triste e por isso dancei muito mal.
    - Porque é que estás a dançar tão mal? - perguntou o Rei do Mar.
    - Porque estou cheia de saudades - respondi eu.
    - Saudades? - disse o Rei do Mar. Que história é essa?
    E perguntou ao polvo, ao caranguejo e ao peixe o que tinha acontecido. Eles contaram-lhe tudo. Então o Rei do Mar teve pena da minha tristeza e teve pena de ver uma bailarina que já não sabia dançar. E disse:
    - Amanhã de manhã vem ao meu palácio.


    No dia seguinte de manhã eu voltei ao palácio. E o Rei do Mar sentou-me no seu ombro e subiu comigo à tona das águas. Chamou uma gaivota, deu-lhe com o filtro das anémonas e mandou-a ir à tua procura. E foi assim que eu consegui que tu voltasses.
    - Agora nunca mais nos separamos - disse o rapaz.
    - Agora vais ser forte como um polvo.
    - Agora vais ser sábio como um caranguejo - disse o caranguejo.
    - Agora vais ser feliz como um peixe - disse o peixe.
    - Agora a tua terra é o Mar - disse a Menina do Mar.
    E foram os cinco através de florestas, areais e grutas.
     No dia seguinte houve uma festa no palácio do Rei. A Menina do Mar dançou toda a noite e as baleias, os tubarões, as tartarugas e todos os peixes diziam:
    - Nunca vimos dançar tão bem.
    E o Rei do Mar estava sentado no seu trono de nácar, rodeado de cavalos- marinhos, e o seu manto de púrpura flutuava nas águas.»


    _____________________________

    Sabia que este conto já tinha sido encenado por Filipe La Féria, agora é a vez de Bernardo Sassetti (ao piano) e Beatriz Batarda (na narrativa), darem voz e alma ao mesmo, num espectáculo que poderão ver em Lisboa, no Teatro São Luiz, nos dias 24 (hoje, Sexta-feira) e 26 (Domingo) de Junho, respectivamente às 21h e às 17h30m.

    quinta-feira, 23 de junho de 2011

    A Menina do Mar, de Sophia de Melo Breyner Andresen - Parte III



    « (...)
    No dia seguinte, de manhã, tornaram a encontrar-se todos no mesmo sítio do costume.
    - Bom-dia - disse a Menina do Mar. - O que é que me trouxeste hoje?
    O rapaz pegou na menina do Mar,sentou-a numa rocha e ajoelhou-se a seu lado.
    - Trouxe-te isto - disse. É uma caixa de fósforos.
    - Não é muito bonito - disse a Menina.
    - Não; mas tem lá dentro uma coisa maravilhosa, linda e alegre que se chama fogo. Vais ver.
    E o rapaz abriu a caixa e acendeu um fósforo. 
    A Menina deu palmas de alegria e pediu para tocar no fogo.
    - Isso - disse o rapaz - é impossível. O fogo é alegre mas queima.
    - É um sol pequenino - disse a Menina do Mar.
    - Sim - disse o rapaz - mas não se lhe pode tocar.
    E o rapaz soprou o fósforo e o fogo apagou-se.
    - Tu és bruxo - disse a menina - sopras e as coisas desaparecem.
    - Não sou bruxo. O fogo é assim. Enquanto é pequeno qualquer sopro o apaga. Mas depois de crescido pode devorar florestas e cidades.
    - Então o fogo é pior do que a Raia? - perguntou a Menina.
    - É conforme. Enquanto o fogo é pequeno e tem juízo é o maior amigo do homem: aquece-o no Inverno, cozinha-lhe a comida, alumia-o durante a noite. Mas quando o fogo cresce demais, zanga-se, enlouquece e fica ávido, mais cruel e mais perigoso do que todos os animais ferozes.
    - As coisas da terra são esquisitas e diferentes - disse a Menina do Mar. Conta-me mais coisas da terra.
    Então sentaram-se os dois dentro de água e o rapaz contou-lhe como era a sua casa e o seu jardim e como eram as cidades e os campos, as florestas e as estradas.
    - Ah! Como eu gostava de ver isso tudo - disse a Menina cheia de curiosidade.
    - Vem comigo - disse o rapaz - eu levo-te à terra e mostro-te coisas lindas.
    - Não posso porque sou uma Menina do Mar. O mar é a minha terra. Tu se vieres para o mar afogas-te. E eu se for para a terra seco. Não posso estar muito tempo fora de água. Fora de água fico como as algas na maré vaza, que ficam todas enrugadas e secas. Se eu saísse do mar, ao fim de algumas horas ficava igual a um farrapo de roupa velha ou a um papel de jornal, destes que às vezes há nas praias e que têm um ar tão triste e infeliz de coisa que já não serve e que foi deitada fora e que já ninguém quer.
    - Que pena que eu tenho de não te poder mostrar a terra! - disse o rapaz.
    - E eu que pena tenho de não te poder levar comigo ao fundo do mar para te mostrar as florestas de algas, as grutas de corais e os jardins de anémonas!


    E nessa manhã o rapaz e a Menina, enquanto nadavam na água, iam contando um ao outro as histórias do mar e as histórias da terra.
    Até que a maré subiu e despediram-se.
    No dia seguinte o rapaz chegou à praia, sentou-se ao lado da Menina do Mar e disse:
    - Hoje trago-te uma coisa da terra que é bonita e tem lá dentro alegria. Chama-se vinho. Quem bebe fica cheio de alegria.
    Enquanto dizia isto o rapaz pousou na areia um copo cheio de vinho. Era um daqueles copos muito pequenos que servem para beber licores. A Menina do Mar segurou o copo com as duas mãos e olhou o vinho cheia de curiosidade, respirando o seu perfume.
    - É muito encarnado e muito perfumado - disse ela. - Conta-me o que é o vinho.
    - Na terra - respondeu o rapaz - há uma planta que se chama videira. No Inverno parece morta e seca. Mas na Primavera enche-se de folhas e no Verão enche-se de frutos que se chamam uvas e que crescem em cachos. E no Outono os homens colhem os cachos de uvas e põem-nos em grandes tanques de pedra onde os pisam até que o seu sumo escorra. É a esse sumo dos frutos da videira que chamamos o vinho. Esta é a história do vinho, mas o seu sabor não o sei contar. Bebe se queres saber como é.


    E a Menina bebeu o vinho, riu-se e disse:
    - É bom e é alegre. Agora já sei o que é a terra. Agora já sei o que é o sabor da Primavera, do Verão e do Outono. Já sei o que é o sabor dos frutos. Já sei o que é a frescura das árvores. Já sei como é o calor duma montanha ao sol. Leva-me a ver a terra. Eu quero ir ver a terra. Há tantas coisas que eu não sei. O mar é uma prisão transparente e gelada. No mar não há Primavera nem Outono. No mar o tempo não morre. As anémonas estão sempre em flor e a espuma é sempre branca. Leva-me a ver a terra.
    - Tenho uma ideia - disse o rapaz. - Amanhã trago um balde e encho-o com água do mar e algas. E tu pões-te dentro do balde para não secares e eu levo-te comigo a ver a terra.
    - Está bem - disse a Menina. - Amanhã vou contigo dentro do balde de água. E vou ver a tua casa e vou ver o teu jardim e vou ver passar os comboios; e vou ver a noite numa cidade cheia de luzes, de gente e de carros. E vou ver os animais da terra, os cães, os cavalos, os gatos; e vou ver as montanhas, as florestas e todas as coisas que me contaste.
    E assim o rapaz e a Menina do Mar passaram o resto da manhã a fazer planos para a aventura do dia seguinte. Até que a maré subiu e o rapaz foi-se embora.



    No outro dia o rapaz veio para as rochas com o balde. Vinha muito alegre, entusiasmado com o seu projecto, cantando e dando saltos. mas quando chegou à poça de água encontrou a Menina do Mar com um ar muito desesperado e o polvo, o caranguejo e o peixe todos três com cara de caso.
    - Bom-dia - disse o rapaz. Trago aqui o balde. Vamos embora depressa.
    - Eu não posso ir - disse a Menina do Mar. E desatou a chorar como uma fonte.
    - mas porquê? - perguntou o rapaz.
    - Por causa dos búzios.Os búzios têm muito bom ouvido, ouvem tudo, são os ouvidos do mar. E ouviram as nossas conversas e foram contá-las à Raia que ficou furiosa e agora eu já não posso ir contigo.
    - Mas a Raia não está aqui. Mete-te dentro do balde e vamos embora depressa.
    - É impossível - disse a Menina do Mar. A Raia Ordenou aos polvos que não me deixassem passar. As rochas estão cheias de polvos escondidos que nós não vemos, mas que nos vêem e espiam cada um dos nossos gestos. Tenho que te dizer adeus para sempre. Amanhã já não volto aqui porque a Raia, para me castigar de eu ter querido fugir, decidiu que esta noite ao nascer da Lua eu serei levada pelos polvos, para uma praia distante, que eu não sei como se chama nem onde fica. E nunca mais nos poderemos encontrar.
    - Vamos experimentar fugir- disse o rapaz. Eu com as minhas duas pernas corro mais do que os polvos com os seus oito braços, que nem são braços nem são pernas.



    E,  tendo dito isto, pôs a Menina do Mar dentro do balde e pôs-se a correr. Mas, no mesmo instante, as rochas cobriram-se de polvos. Para qualquer lado que ele olhasse só via polvos. Procurou uma aberta por onde passar mas não havia nenhuma. Em sua roda os polvos tinham feito um círculo fechado. E ele estava no meio do círculo e não podia fugir. Então tentou saltar por cima dos polvos, mas logo dezenas de tentáculos lhe ataram as pernas. (...) »

    quarta-feira, 22 de junho de 2011

    A Menina do Mar, de Sophia de Melo Breyner Andresen - Parte II



    « (...)
    O rapaz, louco de curiosidade, não conseguiu ficar quieto mais tempo. Deu um salto e agarrou a menina.
    - Ai, ai, ai! Que desgraça! - gritava ela.
    O polvo, o caranguejo e o peixe tinham desaparecido, aterrorizados, num abrir e fechar de olhos.
    - Ó polvo, ó caranguejo, ó peixe, acudam-me, salvem-me - gritava a Menina do mar.
    Então o polvo, o caranguejo e o peixe, apesar de estarem cheios de medo, saíram detrás das algas onde se tinham escondido, e começaram a tentar salvar a Menina. Faziam o que podiam: o polvo trepava pelas pernas do rapaz, o caranguejo com as suas tenazes beliscava-lhe os pés, o peixe mordia-lhe as canelas. Mas o rapaz era maior e tinha mais força, deu-lhes alguns pontapés e fugiu para longe com a Menina do mar que continuava a chamar:
    - Ó polvo, ó caranguejo, ó peixe!
    - Não grites, não chores, não te assustes - dizia o rapaz. Eu não te faço mal nenhum.
    - Eu sei que me vais fazer mal.
    - Que mal é que eu hei-de fazer a uma menina tão pequenina e tão bonita?
    - Vai-me fritar - disse a Menina do mar. E pôs-se outra vez a chorar e a gritar: - Ó polvo, ó caranguejo, ó peixe!
    - Eu, fritar-te! Para quê? Que ideia tão esquisita! - disse o rapaz espantadíssimo.
    - Os peixes dizem que os homens fritam tudo quanto apanham.
    O rapaz pôs-se a rir e disse:
    - Isso são os pescadores. os pescadores é que apanham os peixes para fritar. Mas eu não sou pescador e tu não és um peixe. Não te quero fritar nem te quero fazer mal nenhum. Só te quero ver bem, porque nunca na minha vida vi uma menina tão pequenina e tão bonita. E quero que me contes quem tu és, como é que vives, o que é que fazes aqui no mar e como é que te chamas.
    Então ela parou de gritar, limpou as lágrimas, penteou e alisou os cabelos com os dedos das mãos a fazerem de pente, e disse:
    - Vamos sentar-nos os dois naquele rochedo e eu conto-te tudo.
    - Prometes que não foges?
    - Prometo.


    Sentaram-se os dois um frente do outro e a menina contou:
    - Eu sou uma menina do mar. Chamo-me Menina do Mar e não tenho outro nome. Não sei onde nasci. Um dia uma gaivota trouxe-me no bico para esta praia. Pôs-me numa rocha na maré vaza e o polvo, o caranguejo e o peixe tomaram conta de mim. Vivemos os quatro numa gruta muito bonita. O polvo arruma a casa, alisa a areia, vai buscar a comida. É de nós todos o que trabalha mais, porque tem muitos braços. O caranguejo é o cozinheiro. Faz caldo verde com limos, sorvetes de espuma, e salada de algas, sopa de tartaruga, caviar e muitas outras receitas. é um grande cozinheiro. Quando a comida está pronta o polvo põe a mesa. A toalha é uma alga branca e os pratos são conchas. Depois, à noite, o polvo faz a minha cama com algas muito verdes e muito macias. Mas o costureiro dos meus vestidos é o caranguejo. E é também o meu ourives: ele é que faz os meus colares de búzios, de corais e de pérolas. O peixe não faz nada porque não tem mãos, nem braços com  ventosas como o polvo, nem braços com tenazes como o caranguejo. Só tem barbatanas e as barbatanas servem só para nadar. Mas é o meu melhor amigo. Como não tem braços nunca me põe de castigo. É com ele que eu brinco. Quando a maré está vazia brincamos nas rochas, quando está maré alta damos passeios no fundo do mar. Tu nunca foste ao fundo do mar e não sabes como lá tudo é bonito. Há florestas de algas, jardins de anémonas, prados de conchas. Há cavalos marinhos suspensos na água com um ar espantado, como pontos de interrogação. Há flores que parecem animais e animais que parecem flores. Há grutas misteriosas, azuis-escuras, roxas, verdes e há planícies sem fim de areia fina, branca, lisa. Tu és da terra e se fosse ao fundo do mar morrias afogado. Mas eu sou uma menina do mar. Posso respirar dentro da água como os peixes e posso respirar fora da água como os homens. E posso passear pelo mar todo e fazer tudo quanto eu quero e ninguém me faz mal porque eu sou a bailarina da Grande Raia. E a Grande Raia é a dona destes mares. É enorme, tão grande que é capaz de engolir um barco com dez homens dentro. Tem cara de má e come homens e peixes e está sempre com fome. A mim não me come porque diz que eu sou pequena demais e não sirvo para comer, só sirvo para dançar.


    Quando ela dá uma festa convida os tubarões e as baleias e sentam-se todos no fundo do mar e eu danço em frente deles até de madrugada. E quando a Raia está triste ou mal disposta eu também tenho que dançar para a distrair. Por isso sou a bailarina do mar e faço tudo quanto eu quero e todos gostam de mim. Mas eu não gosto nada da Raia e tenho medo dela. Ela detesta os homens e também não gosta dos peixes. Até as baleias têm medo dela. Mas eu posso andar à vontade no mar e ninguém me come e ninguém me faz mal porque eu sou a bailarina da Raia.
    E agora que já contei a minha história leva-me outra vez para o pé dos meus amigos que devem estar aflitíssimos.
    O rapaz pegou na Menina do Mar com muito cuidado na palma da mão e levou-a outra vez para o sítio de onde a tinha trazido. O polvo, o caranguejo e o peixe lá estavam os três a chorar abraçados.
    - Estou aqui - gritou a Menina do Mar.
    O polvo, o caranguejo e o peixe, mal a viram, pararam de chorar e atiraram-se os três como cães aos pés do rapaz e começaram outra vez a mordê-lo e a picá-lo. O polvo com os seus oito braços chicoteava-lhe as pernas.
    - Estejam quietos, parem, não lhe façam mal, ele é meu amigo e não me vai fritar - gritou-lhes a Menina do Mar. O polvo, o caranguejo e o peixe interromperam a pancadaria, espantadíssimos com estas palavras. O rapaz baixou-se e pôs a menina na água ao pé dos seus três amigos, que davam saltos de alegria e muitas gargalhadas. Pediu à Menina do Mar, ao polvo, ao caranguejo e ao peixe para voltarem no dia seguinte à mesma hora àquele mesmo sítio.
    - Tenho tanta curiosidade da Terra - disse a Menina do Mar, - amanhã, quando vieres, traz-me uma coisa da terra.
    E assim ficou combinado.
    No dia seguinte, logo de manhã, o rapaz foi ao seu jardim e colheu uma rosa encarnada muito perfumada. Foi para a praia e procurou o lugar da véspera.
    - Bom-dia, bom-dia, bom-dia - disseram a Menina, o polvo, o caranguejo e o peixe.
    - Bom-dia - disse o rapaz. E ajoelhou-se na água, em frente da Menina do Mar.
    - Trago-te aqui uma flor da terra - disse; chama-se uma rosa.


    - É linda, é linda - disse a Menina do Mar, dando palmas de alegria e correndo e saltando em roda da rosa.
    - Respira o seu cheiro para veres como é perfumada.
    A Menina pôs a sua cabeça dentro do cálice da rosa e respirou longamente.
    Depois levantou a cabeça e disse suspirando:
    - É um perfume maravilhoso. No mar não há nenhum perfume assim. Mas estou tonta e um bocadinho triste. As coisas da terra são esquisitas. São diferentes das coisas do mar. No mar há monstros e perigos, mas as coisas bonitas são alegres. Na terra há tristeza dentro das coisas bonitas.
    - Isso é por causa da saudade - disse o rapaz.
    - Mas o que é a saudade? - perguntou a Menina do Mar.
    - A saudade é a tristeza que fica em nós quando as coisas de que gostamos se vão embora.
    - Ai! - suspirou a Menina do Mar olhando para a Terra. Por que é que me mostraste a rosa? Agora estou com vontade de chorar.
    O rapaz atirou fora a rosa e disse:
    - Esquece-te da rosa e vamos brincar.
    E foram os cinco, o rapaz, a Menina, o polvo, o caranguejo e o peixe pelos carreirinhos de água, rindo e brincando durante a manhã toda.
    Até que a maré começou a subir e o rapaz teve que se ir embora. (...) »